O debate sobre a privacidade no uso de criptomoedas ganhou novos contornos esta semana com duas manifestações antagônicas vindas de figuras de peso no cenário jurídico dos Estados Unidos. Enquanto um importante representante do Departamento de Justiça defendeu uma abordagem menos punitiva em relação aos misturadores de criptomoedas, a procuradora-geral de Nova York reforçou seu pedido por mais rigor legislativo, reacendendo a polarização em torno do tema.

Na última segunda-feira, Todd Blanche, procurador-geral adjunto dos EUA, divulgou um memorando intitulado “Fim da Regulamentação por Acusação”. No documento, ele anunciou uma mudança significativa na postura do Departamento de Justiça (DoJ), afirmando que a instituição deixará de mirar em serviços como carteiras privadas, corretoras de ativos digitais e misturadores de criptomoedas por possíveis infrações cometidas por usuários ou falhas regulatórias não intencionais.
“O Departamento de Justiça deixará de participar da regulamentação por meio de processo judicial neste setor”, declarou Blanche, indicando um novo foco da instituição em evitar criminalizações generalizadas de ferramentas tecnológicas cuja finalidade principal não é, necessariamente, ilícita.
Em contraste direto, no dia seguinte, Letitia James, procuradora-geral do estado de Nova York, uniu-se a outros representantes para assinar uma carta endereçada ao Congresso. No documento, os signatários pedem a criação urgente de uma estrutura federal de regulamentação para o setor cripto. Um dos pontos centrais da carta é a necessidade de combater o uso de misturadores de criptomoedas, considerados por eles um risco à segurança nacional e à prevenção de crimes financeiros.
A carta exige que todas as plataformas de criptoativos obedeçam rigorosamente às leis de combate à lavagem de dinheiro (AML), conheçam seus clientes (KYC) e apliquem rígidos protocolos de cibersegurança. James foi categórica ao classificar os misturadores como ferramentas de “lavagem de dinheiro”, sugerindo que esses recursos tecnológicos favorecem terroristas e organizações criminosas ao dificultarem o rastreamento das transações.
A abordagem de James gerou críticas de especialistas e defensores da privacidade digital. Eles argumentam que essa narrativa generalista ignora o uso legítimo de misturadores por ativistas de direitos humanos, jornalistas e cidadãos que buscam proteger sua privacidade financeira — direito garantido pela Constituição dos EUA. Segundo analistas, a fala da procuradora presume automaticamente a culpa de qualquer usuário que valorize o anonimato, o que pode abrir caminho para medidas autoritárias sob a justificativa de segurança.
Essa divergência acontece em meio a casos emblemáticos como os processos contra as plataformas Samourai Wallet e Tornado Cash, acusadas de facilitar transações ilegais por meio de mecanismos de privacidade. Ambos os casos têm sido acompanhados de perto por especialistas, pois podem definir os rumos da regulamentação da privacidade nas transações digitais nos Estados Unidos.
A crescente polarização entre liberdade individual e controle estatal no universo das criptomoedas revela o quão sensível é o tema da privacidade financeira na era digital. A sinalização do Departamento de Justiça em favor de uma abordagem menos criminalizante pode indicar um futuro mais equilibrado, mas a pressão por regulamentações mais duras, como defendida pela procuradora Letitia James, aponta para um cenário de confronto. À medida que o debate avança e os tribunais analisam casos de grande impacto, resta à sociedade civil, investidores e defensores da liberdade digital se posicionarem de forma clara. O direito de movimentar valores de forma privada online está em jogo — e o resultado desse embate poderá moldar o futuro da privacidade financeira no mundo inteiro.